Angelica, há cerca de uma semana, dorme nas ruas da Avenida Paulista. Isso ocorre porque sua reserva de dinheiro – usada para bancar os custos da casa em que morava – foi direcionada ao tratamento de uma de suas cachorras, que fora envenenada. Como isso se relaciona com os estereótipos atribuídos àqueles que se encontram em situação de rua? Além de não ter onde morar, o que mais se perde nessa condição?

Placa de papelão utilizada por Angelica e sua família, a fim de arrecadar dinheiro. Foto: Rafaela Zampolli

 “Como essas pessoas, que passam por aqui todos os dias, olham para vocês?”

-“Não olham, é como se a gente fosse transparente.” diz Angelica (tatuadora, capacitada em “body piercing” e “body modification”, mãe de duas crianças: Gabriel, de quatro anos e Bárbara, de três anos).

Lugar comum.

 De acordo com a pesquisadora e doutora Suzana Rozendo Bortoli, a partir da idade média, os sujeitos que vivenciavam essa condição eram classificados como vagabundos e incapacitados. Hoje, não é possível afirmar que exista uma mudança de olhar em relação aos que residem na rua. No caso de Angelica, que morava em uma ocupação, a descriminação aconteceu antes dela inserir-se na situação de rua, sugerindo que: o desprezo não é apenas pelo que dorme nas calçadas, e sim, pelo pobre. “Alguém, por maldade, jogou veneno por cima do meu telhado, provavelmente alguém do prédio vizinho. Porque eles não gostam da gente lá, ninguém gosta da gente lá, eles não querem ocupação ali, porque é uma classe mais alta.”, afirma a tatuadora. 

 As casas fixadas nas ocupações geram custos, que são altos demais para serem pagos por pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. “Lá foi legalizado, lá ganhou a causa. Então é dividido pelo prédio todo: a conta de água, a conta de luz. A única coisa que eles cobram por fora é cinquenta reais de portaria. Porque ficam duas pessoas lá em baixo, 24h, revezando para que não entre qualquer pessoa. Até pra não oferecer risco pra gente lá dentro.” declarou Angelica.

 Suzana também nos adverte em relação ao tratamento da mídia sob a “população de rua”. De acordo com eles mesmos, são nomeados como: “um bocado de marginal” e “se a mídia diz que na população de rua tudo não presta e merece morrer, a sociedade toda vai dizer isso também.”. Mesmo sem, possivelmente, conhecer a pesquisa da Doutora Suzana, Angelica se posiciona com harmonia ao que foi dito: “Aqui as pessoas nos veem como drogados ou ladrões.”. Mas, logo se mostra distante da falácia citada: “Aí eu estourei cartão de crédito, estourei tudo que eu tinha pra pagar (o tratamento dos cães), porque eram vidas. A gente consegue se reconstruir, se levantar. Vai vender uma bala, vai fazer qualquer coisa, mas a gente ainda consegue”.

“Entre optar pela vida e o conforto de uma casa, eu optei pela vida.”

O que se perde.

 Gabriel, filho mais velho de Angelica, foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, e teve o caso agravado por um Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Por esse motivo, espera por uma vaga em uma escola com profissionais capacitados a atendê-lo. Portanto, para Angelica, não ter uma casa onde ficariam os animais, e uma escola onde ficariam as crianças significa não ter um trabalho. 

“Mamãe, mas eu quero uma escola que tenha brinquedo. Eu quero um escorregador.” 

                                            –Gabriel     

 O menino, por uma falta do estado, não tem onde estudar, e constrói suas vivências nas calçadas de um dos bairros mais ricos da capital paulistana: “Outro dia ele foi pedir uma coca cola para uma moça, e ela deu um tapa no braço dele”, reconhece Angelica. Além de estar cercado pela violência, ele é diretamente atingido por ela. É imprescindível acrescentar que essa violência não foi ocasionada pelo “marginal”. É em um dos bairros mais ricos do estado, pelo qual andam as mais ricas pessoas.

 Hoje, 18 de abril, data em que foi concluído o desenvolvimento da matéria, Angelica volta para sua casa.

 

Angelica e Gabriel, no momento em que ainda estavam em situação de rua. Foto: Rafaela Zampolli

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