Com a guerra da Ucrânia, o oligarca russo e dono do Chelsea FC Roman Abramovich virou alvo de sanções econômicas, as quais afetam o time de futebol. Veja mais

No sábado (16), o Chelsea Football Club se classificou para as semifinais da Copa da Inglaterra após vencer o Middlesbrough FC por 2×0. Antes disso, durante a semana, o Chelsea havia avançado para as quartas de final da Liga dos Campeões, a maior competição de futebol da Europa, depois de uma vitória por 4×1 no agregado contra o Lille. Esses bons resultados recentes são exemplos da fase empolgante que a equipe vive dentro de campo. Porém, fora das quatro linhas, o time de Londres enfrenta cada vez mais turbulências.

Isso porque seu dono, Roman Abramovich, é considerado próximo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, o que virou motivo para sancionar seus bens – incluindo o clube de futebol. Os “longos e próximos laços”, como dito por diplomata do Conselho Europeu à AFP, com o homem responsável por invadir a Ucrânia teriam ajudado a constituir a fortuna estimada em mais de 12 bilhões de libras de Abramovich.

Roman já sofreu privações diplomáticas desde o início do conflito russo-ucraniano, vindas da União Europeia (EU) e do Reino Unido (UK). Durante o anúncio da primeira sanção britânica, em 10/03, os oligarcas da Rússia atingidos foram considerados coniventes com a agressividade russa. “O sangue do povo ucraniano está em suas mãos. Eles (os milionários envolvidos com Putin) deveriam abaixar suas cabeças com vergonha.”, disse a Secretária de Relações Exteriores do UK Liz Truss.

Fundamentalmente, as imposições envolvem o congelamento de ativos, a fim de impedir que os magnatas continuem a fazer dinheiro a partir de qualquer um deles. Além disso, tanto a EU quanto o UK proibiram os afetados de viajarem, e nenhuma pessoa jurídica ou física pode negociar com eles. As medidas são igualmente válidas para suas empresas – o caso do Chelsea FC.

Elenco do Chelsea comemorou junto o gol de Romelu Lukaku, que abriu o placar na vitória contra o Middlesbrough (Foto: Reprodução/Chelsea FC).

Os comunicados oficiais do Chelsea

As notas divulgadas pelo clube servem de linha do tempo para a situação. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, quatro comunicados já foram lançados. Embora o conflito seja geopolítico e militar, a instituição está diretamente envolvida e escolheu deixar seus torcedores a par de seus posicionamentos.

O primeiro informe data de 26/02 e mostrou os primeiros sinais de afastamento entre Roman e o Chelsea. “Eu sempre tomei decisões tendo os maiores interesses do clube em mente. Continuo comprometido com esses valores. Esse é o motivo de, hoje, eu dar aos curadores da Chelsea Foundation a administração e cuidados do Chelsea FC.”, informava o proprietário na mensagem. Abramovich era o responsável pelo time desde sua aquisição.

No dia seguinte (27), uma nova nota foi publicada. Breve, o conteúdo repudiava os atos russos – coordenados pelo provável aliado de Abramovich, Putin. “A situação na Ucrânia é horrorosa e devastadora. Os pensamentos do Chelsea FC estão com todos na Ucrânia. Todos no clube estão rezando por paz.”, lia-se na íntegra.

A imagem que indica um comunicado oficial do clube se tornou comum nos últimos dias (Foto: Chelsea FC).

Após alguns dias, outro comunicado foi solto. Esse foi o mais radical e especulado desde as movimentações bélicas iniciais. No texto, Roman anunciou seu interesse em vender o Chelsea por acreditar ser parte “dos maiores interesses do clube, dos fãs, dos empregados, assim como dos patrocinadores e parceiros do clube”. O russo fez questão de reforçar que sua relação com a instituição nunca foi baseada no retorno financeiro, e, portanto, doaria todos os lucros da venda para as vítimas da guerra na Ucrânia.

A iminente negociação do Chelsea parecia ser a solução para a pressão que Roman sofria de todos os lados – mídia, torcida, empresários, entre outros. Contudo, antes que qualquer acordo pudesse ser fechado, o UK sancionou os bens do bilionário, o que impede a tranferência. A decisão governamental de 10 de março também proibiu o Chelsea de comercializar ingressos de jogos, de vender mercadorias, de renovar contratos e de transferir jogadores.

Por outro lado, o governo britânico gerou uma licença especial para que o clube continuasse a promover atividades relacionadas ao futebol. Sobre o assunto, a Secretária de Cultura do UK Nadine Dorries falou: “Nós concedemos ao clube uma licença para que ele possa cumprir seus jogos, pagar seus funcionários e receber os torcedores que já compraram seus ingressos. Nós sabemos que clubes de futebol são bens culturais e estamos comprometidos a proteger eles.”

É diante dessa autorização que surgiu a quarta e última (até o momento) nota. “Nós pretendemos nos engajar em discussões com o Governo do UK acerca do âmbito da licença. Isso incluirá buscar por permissão para emendar a licença a fim de possibilitar o clube a trabalhar o mais normal possível”, informava. Desde a divulgação do comunicado em 10/03, entretanto, a situação dos Blues não mudou.

Roman Abramovich durante evento governamental russo em 2016 (Foto: Grigory Sysoev/Sputnik).

As consequências do relacionamento entre Roman e Chelsea

Os impactos da narrativa Roman-Putin vão muito além jogos com público reduzido e lojas oficiais fechadas. A começar pelo impacto da sanção na parceria entre o clube e uma patrocinadora: a empresa Three rompeu, com efeito imediato, o patrocínio máster que tinha com o time principal masculino.

Outro problema é a perda monetária que o Chelsea sofrerá a longo prazo, em razão dos ingressos e produtos que não serão vendidos. A saber, um estudo de 2022 da OLGB afirmou que o Chelsea deixava de ganhar aproximadamente 154 mil libras por jogo com ingressos, haja vista os 3282 lugares que não eram comprados, em média.

Outra coisa importante para a atual realidade dos Blues é o limite orçamentário. O governo britânico liberou que o clube utilizasse um máximo de 20 mil libras para transporte por partida. Esse controle provoca um maior controle sobre as contas, incluindo colocar certos confortos em segundo plano. A exemplo disso, a delegação do Chelsea fez uma viagem de 20 horas de trem para chegar a Middlesbrough, onde jogou com o time da cidade nesse final de semana.

No setor administrativo, o golpe veio da Premier League (a versão inglesa do Brasileirão). O controle da competição decidiu, em 12/03, retirar de Roman Abramovich sua permissão para ser dirigente de um clube. Isso significa que o russo não pode tomar as rédeas do Chelsea novamente, nem de qualquer outro time da série A.

Isso sem contar os atletas que podem sair do clube. Nomes como Antonio Rudiger, Andreas Christensen e Cezar Azpilicueta tendem a sair de graça na janela de transferências do meio de ano, devido ao fim de seus vínculos com o Chelsea e à impossibilidade de negociação. Além deles, todo e qualquer jogador pode legalmente rescindir seu contrato, caso o time não consiga pagar seu salário por dois meses consecutivos – o que pode acontecer, já que a reserva em dinheiro do clube é de apenas 17 milhões de libras -, segundo informação do The Telegraph.

As sanções também reverberam no clube em uma escala muito menor que a percebida pelo senso comum: “afetam diretamente as pessoas que trabalham lá dentro sem nenhuma exceção, inclusive muitas perderam seus empregos no mesmo dia que a sanção foi declarada. Fora que os recursos se tornam escassos, e afeta a torcida também, pois ela não pode assistir o clube que tanto ama”, explicou a torcedora do Chelsea Giovanna Castilho, de 18 anos.

No site do clube, a aba “loja” carrega apenas uma mensagem: “A Stadium Megastore no Stamford Bridge está atualmente fechada até segunda ordem.” (Foto: Chelsea FC).

Apesar de todos os impactos negativos estruturalmente, dentro de campo, por outro lado, a repercussão das sanções parece ter sido benéfica. Giovanna vê que, mesmo com os empecilhos, o entrosamento do time está melhor que nunca. “Eu acho que o que acontece fora de campo, querendo ou não, sempre afeta o estilo de jogo. Nesse atual momento, por exemplo, pude reparar que o time se uniu mais e estão ainda com mais garra e vontade de estar com o placar na frente e vencer a partida.”

Os jogadores e comissão parecem estar unidos, eles querem fazer o futebol dar certo. A exemplo do meio-campista Kai Havertz: ele afirmou não ter problema em pagar sua própria passagem para chegar às partidas, uma vez que o importante é não pararem de jogar. O técnico Thomas Tuchel segue um raciocínio similar, como expôs em coletiva de impensa: “enquanto tivermos camisas e uma equipe, seremos competitivos e lutaremos muito pelo nosso sucesso. Devemos isso aos que nos apoiam.”

Ainda que haja tantos impactos já vigentes, ainda não há garantia da duração deles ou do último resultado de tantas mudanças. “Nesse momento, o futuro é algo muito incerto, porque não temos uma base ou uma pista do que pode acontecer amanhã”, Castilho afirmou.

Por fim, a única constante nesse momento é o amor dos fãs. “Em geral, a torcida segue apoiando o clube como pode e como sempre apoiou mesmo tendo aquela insegurança sobre como será o futuro. [..] Essa situação não impedirá os torcedores de gritar o nome do Chelsea, de ecoar o hino pelo estádio. Eles estão fazendo isso mais do que nunca agora. A verdade é que o amor pelo Chelsea não se congela, futebol não se congela, não conseguirão tirar isso de nós.”, Giovanna finalizou.

No dia 13, os Blues foram empurrados pela torcida durante os 90 minutos da vitória por 1×0 contra o Newcastle. O público presente no Stamford Bridge havia comprado os ingressos antes da sanção britânica ser aplicada (Foto: Reprodução/Chelsea FC).

A história de Roman e Chelsea

“01 de julho de 2003 – a data na qual o curso da história do Chelsea mudou para sempre!” Com essas palavras, o capítulo sobre a compra por Roman é aberto no site oficial do clube. O russo desembolsou um total de 140 milhões de libras para adquirir a instituição e pagar as dívidas. Desde então, é o principal responsável pelo time, que virou um dos mais bem-sucedidos das últimas duas décadas do futebol mundial.

Após passarem por períodos de dificuldade, os Blues (como o Chelsea é conhecido) finalmente voltariam a alegrar seus torcedores. A apresentação do novo comando se deu com a contratação de jogadores de alto nível, como Hernán Crespo e Claude Makele, o que chamou a atenção da mídia. Somadas a isso, a vinda do técnico vencedor da Liga dos Campeões José Mourinho e outras melhorias foram a cereja do bolo, e já na temporada 2004/2005, o elenco principal venceu a Premier League pela primeira vez em 50 anos.

Apesar de alguns períodos em baixa e de quase 2 bilhões de libras investidas, a presença de Abramovich rendeu excelentes frutos. Foram 21 títulos conquistados pelo profissional masculino – incluindo todos os prêmios majoritários disponíveis. Além disso, 10 taças foram levantadas pelo profissional feminino e outras 9, pelas categorias de base – sendo 5 FA Youth Cups consecutivas, de 2014 a 2018.

Roman e Azpilicueta juntos em foto do título mais recente do Chelsea e provavelmente último da Era Abramovich, o Mundial de Clubes. Os Blues levaram a melhor contra o Palmeiras em fevereiro de 2022 (Foto: Darren Walsh/Chelsea FC/Getty Images).

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