Escândalo de doping envolvendo a patinadora russa Kamlia Valieva prejudica resultado da equipe estadunidense e gera revolta, entenda:

                A baixa temperatura do piso da pista de patinação no gelo representa bem o clima entre Estados Unidos e Rússia no atual panorama do esporte. As duas nações estão vivendo um período conturbado no relacionamento, envolvendo acusações e críticas por parte estadunidense.

                O desentendimento envolvendo os países é decorrente da participação da patinadora russa Kamila Valieva, de 15 anos, nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim. Kamila enfrenta acusação de doping após testar positivo para trimetazidina em resultado divulgado em 08 de fevereiro (durante Pequim 2022) de exame feito em 25 de dezembro.

              A trimetazidina é uma substância usada em tratamentos cardiovasculares, por ter caráter vasodilator. Isso significa que a droga promove uma maior quantidade de sangue circulando no organismo e, consequentemente, relaxa os músculos. É, portanto, proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada) já que pode gerar uma melhor perfomance atlética. 

                O caso de Valieva já seria motivo de irritação normalmente, uma vez que o doping é uma conduta antidesportiva. Porém, ele ganhou dimensões maiores devido à medalha de ouro que a jovem ajudou a Rússia a conquistar na modalidade por equipes, em cima justamente dos EUA. Os estadunidenses não gostaram de ver sua seleção perder para uma equipe envolvida em tal escândalo. Eles vêm atacando a comissão russa desde a confirmação da infração.

Tabela de classificação do evento de equipes mostra Rússia em primeiro lugar, porém há uma nota indicando que o resultado é provisório. Foto: Reprodução/Olympics

O estopim Valieva

Kamila Valieva já chegou a Pequim com seu nome em alta. Sua impressionante habilidade a configurava como uma das favoritas à vitória na prova do individual feminino da patinação artística, apesar da pouca idade.

          Com seu talento, executou sua apresentação no programa coletivo de modo a entrar na história dos Jogos Olímpicos. Isso porque Kamila se tornou a primeira mulher a realizar um salto quádruplo em uma apresentação olímpica.

                Sua performance contou também com um segundo salto quádruplo, que ajudou a russa a obter uma nota de 105.25. Valieva ficou 30 pontos acima da segunda colocada, a estadunidense Karen Cheg.  Ela foi essencial na vitória da Rússia em 07 de fevereiro.

                Mas antes mesmo dos russos colocarem as medalhas de ouro em seus peitos, o caso de doping veio à tona. A confirmação da presença de substância ilegal na corrente sanguínea de Valieva fez com que o Comitê Olímpico Internacional (COI) adiasse o pódio da competição e suspendesse a participação da patinadora no restante dos jogos.

                Contudo, após audiência, a Corte Arbitral do Esporte (CAS) permitiu que a atleta competisse no individual feminino. A pouca idade de Kamila foi a principal justificativa para a decisão.

              A defesa de Valieva alega que ela se contaminou por conta de uma confusão envolvendo o remédio do avô, cuja composição contém a trimetazidina. 

             Em Pequim, a russa fez uma performance espetacular na série curta do programa. Mas, a pressão de uma final olímpica com todo esse caos a cercando prevaleceu, e a série longa apresentou falhas técnicas e quedas.

           Sendo assim, Kamila terminou o individual feminino com um amargo quarto lugar, aos 224.09 pontos. Ela ficou atrás de duas compatriotas (que pouco comemoraram no pódio os bons resultados) e de uma atleta japonesa.

             Quanto ao pódio da prova coletiva, o COI informou que a cerimônia só acontecerá após a definição do caso. O resultado da prova solo também não é definitivo, apenas seus três primeiros lugares. Essas escolhas foram feitas a fim de evitar mudanças nas colocações – o que pode ocorrer se a garota for julgada culpada.

A patinadora da Rússia Kamila Valieva cai em programa longo da prova individual feminina e fica de fora do pódio. Foto: Reprodução/Reuters

A ofensiva estadunidense

O resultado de Kamila Valieva na prova em equipes desagradou aos norte-americanos. O segundo lugar do país ficou ainda mais infeliz quando perdido para um concorrente com um histórico como o russo.

                A Rússia compete os Jogos Olímpicos de Pequim sob a alcunha de Comitê Olímpico Russo, como punição por um caso prévio de doping. A Wada também baniu o uso da bandeira e do hino pela comissão russa devido a um escândalo patrocinado pelo governo do país.

                 O caso em questão envolveu desde entrega de documentos mentirosos à Wada até adulteração de resultados durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, em 2014 na própria Rússia.

                Nesse sentido, ao comentar a decisão da CAS de permitir a continuação de Kamila nas Olimpíadas, os EUA não pouparam críticas. Sarah Hisland, diretora do Comitê Olímipico e Paralímpico, afirmou que “esse aparenta ser mais um capítulo no sistêmico e disseminado desprezo pelo esporte limpo da Rússia”.

                Outra pessoa que reclamou foi a jornalista Christine Brennan. Em sua coluna no USA Today, alegou que a situação é um fiasco russo permitido pela CAS. Christine ainda disse que o caso expõe os roubos russos na modalidade – que configurariam um sistema de abuso, mentiras e negação.

                Já Adam Rippon, ex-patinador estadunidense, configurou o doping de Kamila como abuso infantil. Em entrevista ao veículo de imprensa Reuters, ele disse que houve um erro na preparação da garota. Para Adam, ela deveria ter sido incentivada e bem-cuidada, e não tratada como uma atleta adulta.

         “É de partir o coração que uma criança de 15 anos esteja no meio disso, mas as pessoas ao seu redor falharam completamente com ela. Eles estão usando o sonho de uma criança como munição para enchê-la de drogas. É traumatizante. Uma criança não pode conseguir aquelas drogas sozinha, alguém as deu para ela, aquele conto de fadas sobre o avô dela não aconteceu. Eles roubaram e continuam roubando.”, Rippon declarou ainda.

                O malefício causado aos estadunidenses é tamanho que a agência antidoping do país, a USADA, estuda processar os russos envolvidos no teste positivo de Kamila, conforme Travis Tygart (chefe da USADA) disse à Reuters. A lei American Rodchenkov Act permite que alguém seja punido judicialmente por atrapalhar o desempenho de um atleta dos EUA, ainda que o agente seja estrangeiro.

                Tygart foi além na conversa: ele falou que “é finalmente tempo de nós acordarmos e fazermos algo sobre isso”, em referência aos casos prévios de encobrimento de doping nos quais a Rússia já se envolveu. Ele defendeu também que uma investigação seja feita para descobrir mais sobre os potenciais abusos que atletas sofrem dentro do sistema esportivo russo.

               Em contrapartida, a treinadora de Valieva, Eteri Tutberidze, declarou apoio à sua pupila. Durante entrevista ao canal estatal da Rússia, pediu que os seus líderes não as abandonassem, defendessem seus direitos e provassem sua inocência. A agência antidoping da Rússia, a RUSADA, entretanto, está investigando a equipe da patinadora por ela ter menos de 16 anos.

                Após o quarto lugar de Kamila em Pequim 2022, tem sido comuns comentários solidários à atleta vindos de estadunidenses. As mensagens, em geral, defendem-na e criticam sua comissão, alegando que falharam ao expor a garota a tal situação.

                As farpas direcionadas ao governo russo não devem acabar tão brevemente, visto que a decisão do COI sobre Kamila Valieva pode demorar meses para ser tomada, indo além do apagar da tocha olímpica. Esse é só mais um capítulo da conturbada relação entre EUA e Rússia, que protagonizaram inclusive o combate ideológico chamado Guerra Fria, ainda na época da antiga União Soviética. O embate de agora, porém, é realmente gelado.

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